segunda-feira, 4 de julho de 2011

O mesmo sorriso, ainda a mesma ironia fundindo-se àquela aura. Um sorriso amarelo, sem graça, sem vontade, um sorriso de lado, malicioso, levemente alarmante. E os olhos eram bloqueados.

Olhos azuis, vale frisar. Olhos tão límpidos, que deveriam dizer a verdade. Presunção nunca foi uma palavra que combinasse com ele, entretanto. Eram claros e mentirosos, zombeteiros, cruéis, mas eram também cautelosos, e em alguns dias, de amor e tristezas, assumiam uma expressão de mágoa, de carinho reprimido.

Seu nome era irrelevante; Era Paulo, José, Ricardo, Tiago. De que importava isso? Eram sempre novas línguas e mãos, para não dizer mais. Eram sempre novas mentiras, mais sorrisos amarelos, e o silêncio: essa era sua vingança contra as pessoas, envolvê-las em seu mistério e seus olhos impedidos, fazer com que se apaixonassem e ... só. Porque não deixava que o conhecessem.

Tudo isso por causa dela. Ela sim, tinha um nome, tinha um rosto. Na verdade, Lídia possuía um pequeno santuário. Era tudo em que ele conseguia pensar. "Puta, vadia", ele xingava, reclamava e zombava, quando podia. Mas durante a noite, depois da bebida e de alguma menininha que havia comido, abria aquela pequena caixa prateada, com o cheiro do perfume dela, uma mecha de seu cabelo e sua letra, tão estranha e etérea, ponteando o papel já amarelado pelo tempo.

Recordações doem. Quem as enterra, vale dizer, nunca amou realmente. Como se permitir esquecer do timbre da voz, dos cílios molhados após uma briga, dos lábios, que ao mesmo tempo que beijam e acariciam, mordem e ferem? Proezas para os imbecis.


Folhas de outono se decompondo. Isso era ele, com sua beleza melancólica, seu mistério, estava morrendo. Medo, tédio, ódio, tesão. Isso também era ele. As mãos grandes, experientes em seus quase trinta e cinco. E, claro, não sabia mais amar; sua boca, bem desenhada, grande, sensual, não acariciava: mordia, perfurava, sugava, causando dor, agora- tão velho, tão velho!- era essa sua forma de fazer apaixonar :o sofrimento.


Ne me quitte pas. Palavras são inúteis. De que servia aquela merda sussurrada, cantada, escrita? Não funcionava. Ne me quitte pas, je ne vais plus pleurer, je ne vais plus parler, je me cacherai là a te regarder, danser e sourir et à t'écouter, chanter et puis rire, laisse-moi devenir l'ombre de ton ombre, l'ombre de ta main, l'ombre de ton chien , ne me quitte pas.


A campainha do apartamento soou. Ele se levantou do sofá, no rosto aquela expressão de vampiro: que a tudo viu e que agora contava suas tristezas como se fossem gotas de água do mar. Era o porteiro, um velho com um sorriso tão grande que parecia o gato de cheshire. Entregou-lhe um envelope. Com uma letra delicada, fina e um pouco antiquada. A mesma letra que escrevera no papel que havia cinco anos que ele guardava.