sábado, 3 de julho de 2010

“Tudo que é sólido se desmancha no ar”


Foi como aconteceu conosco. Seus cabelos pretos, já tão translúcidos, desaparecendo no ar. Como se você nunca houvesse existido, Tom. Como se eu nunca tivesse desenhado seus traços na minha mente, como se jamais houvesse imaginado seu cheiro sutil e complexo. Um fiapo diante do infinito.

Já faz doze anos que você não passa de história. Um mito que marcou não apenas a mim, mas a toda a população mágica. Medo, morte e desconfiança, Tom, as palavras que compunham seu hino, não é mesmo? E você se desmanchou no ar, como se fosse apenas uma imaginação coletiva. Como se eu nunca houvesse me desesperado tanto por você.

O que dói em mim, naquela parte escura do meu ser (E eu não sei que parte é, Tom! É minha alma ou meu cérebro? O coração sente ou apenas pulsa? Porque ele também dói.), é perceber como ainda ouço o som das suas risadas nos corredores escuros, porque você era aquela pessoa amada e cruel que se escondia e ria.

Eu tenho Harry, afinal. No fundo eu sei que você se orgulharia de mim, porque aquela garotinha inocente de onze anos transformou-se em uma mulher, finalmente. E essa mulher consegue o que quer e gosta do que vê, exatamente como você agia. Engraçado perceber a força que eu fiz para te odiar sendo que neste momento possuo características que você plantou naquela menininha e que agora germinaram. Como seu eu fosse um projeto, como se eu, apesar de tantos anos, continuasse sendo seu projeto.

Crer que você não existe mais, Tom, saber que não verei novamente seus olhos grafite simplesmente me enfraquece. Doze anos tentando te odiar e no fim sentir apenas dor, e dor por mim mesma, por ter sido tão ingênua, por não ter te captado, por não ter te tocado do jeito que eu queria. Machuca muito.

E meu último pedido, antes de irmos para a Câmara, não era sobre Harry, Tom. Nunca subestime uma criança com perspicácia de mulher. Eu só queria me esquecer.



Personagens da J.K.Rowling. Divagações minhas.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Ela pensava na liberdade enquanto bebia sua água, imaginava a energia que fazia o relógio pendular funcionar. Talvez não fosse quem via no espelho; talvez fosse apenas fruto da imaginação de uma pessoa solitária, ela mesma já havia criado uma ou outra.

O ser humano é incrível e simultaneamente frustrante, era o que ela pensava. Justamente porque o que o diferenciava dos outros animais era sua capacidade de impor sua vontade sobre o instinto, e não a capacidade de raciocinar, como alguns diziam.

Ela não se importava em morrer, não que quisesse, apenas não era relevante, não havia nada que a prendesse e as pessoas geralmente não despertavam seu interesse. Inerte. Amizade era algo que achava curioso, uma troca, eu lhe exponho meus segredos, mostro minhas fragilidades e você me dá seu apoio, não, muito obrigada. Não entendia muito bem, havia sido sozinha a vida toda, não precisava que cuidassem dela.

Seu nome era Clarice e às vezes ela brincava de ser feliz, ela fingia não sentir aquela angústia insistente correndo dentro de seu corpo e fingia amar moderadamente, como fazem hoje em dia.

Clarice ria da inutilidade dos esforços das pessoas; Marcelo ajudava crianças da favela, ensinava-as a ler e escrever, distribuía livros, acabou cravejado dez balas. Daniela pegava casos de presos por caridade e os tirava de suas jaulas sem nenhuma exigência, foi estuprada por um desses que tirara da cadeia. Era tão irônico, era tão triste.

Quando tinha doze anos era tão inocente que se perguntava o que levava as pessoas a se suicidarem. Ela era criança, lia poesias em parques e comia cereja com creme de leite que manchavam seus vestidos brancos. Naquela época recendia à balas de morango e caramelo e beijara um garoto tão delicadamente que seu coração ficara apertado.

Clarice era composta por fragmentos, era doce e amarga, tinha olhos acinzentados e um porte delicado, com ares de bonequinha de luxo. Tinha algo de essencial, porém era efêmera. Ficava dias sem falar, fechada em seu quarto e depois necessitava tanto de pessoas que queria engolí-las.

Você não conhece a Clarice, não mesmo.